domingo, 24 de agosto de 2014

"Saio da vida para entrar na História". Prof. Polini.

Vivo ou morto, Getúlio é o grande mito político da nossa história recente. Seu suicídio foi um golpe de mestre. Imobilizando os inimigos, ele possibilitou a manutenção da ordem democrática e a eleição de Juscelino, em 1955.
O suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido há sessenta anos, foi um acontecimento trágico e único na História do Brasil, razão pela qual vem sendo recordado e reforçado por múltiplos mecanismos da memória. Não fosse isso suficiente, o ano de 2014 também assinala os quarenta anos do golpe civil-militar de 1964, outro evento traumático da política nacional, que guarda com o suicídio um laço fundamental. Não só os analistas políticos profissionais, como também grande parte da população que tem acesso a informações, sabem e repetem que o suicídio adiou por dez anos o golpe. Ou seja, se Vargas não tivesse dado um tiro no coração, a conspiração que então se armava contra ele dificilmente seria evitada.





O segundo governo Vargas (1950-54) não transcorreu com tranqüilidade, tendo o presidente sofrido, sistematicamente, a oposição da maioria da imprensa e de grande parte dos setores políticos e militares, Mas, em agosto de 1954, uma grave crise se instalara com o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, desencadeando um impasse de graves proporções, onde se opunham um presidente eleito, gozando ainda de grande popularidade, e uma ferrenha e aguerrida oposição militar, que acusava o governo, especificamente o próprio Vargas, de estar envolvido em um “mar de lama”. Tudo isso, é bom lembrar, tendo como cenário a Guerra Fria, que alimentava o medo dos comunistas e também dos sindicalistas.





A tensão chegou a tal ponto que a renúncia do presidente foi pedida, ficando claro que, se ele não se afastasse, seria deposto mais uma vez. Foi nessas circunstâncias que Vargas se matou, num derradeiro golpe político que visava reverter uma situação que vinha beneficiando os antigetulistas. Lançando sobre eles se cadáver, Vargas, como escreveu na carta-testamento, oferecia seu corpo em defesa do povo e da pátria, saindo da vida para entrar na história. Nunca se saberá o que teria realmente acontecido no Brasil caso Vargas não tivesse se matado.





Mas é certo que sua morte transformou o equilíbrio das forças políticas vigente, bloqueando o golpe que armava e possibilitando a manutenção da legalidade constitucional, com a realização das eleições para presidente, em que saiu vitorioso Juscelino Kubitschek. Importa assim ressaltar o “sucesso” imediato do suicídio para a manutenção da democracia no Brasil. Trata-se de uma excelente janela para adentrar à chamada Era Vargas (1930-45), e aí, particularmente, para se pensar nas razões que tornam possível a construção da figura desse presidente como um mito da política nacional.

Quando Vargas se matou, não era mais o chefe de um governo ditatorial, como fora durante o Estado Novo (1937-45), mas um presidente eleito pelo voto popular, em disputado pleito ocorrido em 1950. Sua vitória foi uma surpresa para os opositores, reunidos na União Democrática Nacional, a UDN. Estes acreditavam que um ex-ditador não poderia ser eleito, e, se o fosse, não poderia tomar posse. Tanto que questionaram as eleições e a consideraram, como frequentemente os derrotados fazem, uma prova cabal de que o povo brasileiro não sabia votar. O Povo, contudo, como evidencia a marchinha campeã do carnaval de 1951, “ Retrato do Velho” (“Bota o retrato do Velho outra vez, Bota no mesmo lugar, O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”. De Haroldo Barbosa Pinto), parecia não se haver enganado quando votou em Vargas para presidente. Foi esse mesmo povo, aliás, que saiu às ruas de várias cidades do país, em agosto de 1954, chorando e gritando, provocando incêndios e quebra-quebras, tudo para deixar claro seu apreço ao presidente morto e, mais uma vez, para assustar a UDN e os antigetulistas. Esses tiveram de fugir ou se recolher, reconhecendo a força do último golpe de Vargas: um golpe de mestre.

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